quarta-feira, 31 de março de 2010

Parlamento. A lei não permite pagar viagens de Inês a Paris

Inês de Medeiros divulgou carta que enviou a Jaime Gama. Juristas dizem que não há fundamento legal para o Estado suportar a despesa


Se o conselho de administração do Parlamento decidir pagar as deslocações da deputada Inês de Medeiros a Paris, a opção será mais política que jurídica. Essa é pelo menos a opinião de vários juristas ouvidos pelo i, que consideram não haver base legal para o pagamento das viagens. Ontem, o folhetim - assim designou a deputada a polémica - teve um novo episódio: Inês de Medeiros divulgou uma carta enviada ao presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, em que pede "o imediato esclarecimento e resolução desta situação".

O conselho de administração aguarda um parecer do auditor jurídico da Assembleia, um magistrado do Ministério Público. A deputada diz ter sabido pela imprensa que esse parecer fora solicitado e mostra-se incomodada com o novo adiamento de uma decisão: "Permita-me, senhor presidente [da AR], que estranhe que tenham sido necessários mais de cinco meses para que se tenha chegado à conclusão de que era necessário um apoio jurídico para resolver o caso omisso que pelos vistos represento", afirma.

O pagamento das viagens entre Lisboa e Paris não tem "fundamento legal", considera o jurista Paulo Veiga e Moura. Embora haja mais casos de deputados a residir fora do círculo pelo qual foram eleitos, é inédito um eleito ter residência no estrangeiro - excepção feita aos círculos da emigração. E a questão do precedente que o caso pode abrir é sublinhada pelo advogado, que já produziu pareceres e publicações sobre regalias na função pública e em cargos políticos. "Por absurdo, se os deputados decidissem ter residência nos Estados Unidos ou em Inglaterra, o Estado estaria a pagar-lhes para virem a Portugal."

Para Paulo Veiga e Moura, a legislação existente apenas permite pagar deslocações ao estrangeiro se forem de serviço. De resto, "o trabalhador público é livre de ter a residência onde quiser, mas não cabe ao Estado suportar esse encargo". Além da perspectiva legal, Veiga e Moura considera a título pessoal que o pagamento das viagens seria "injusto".

Raul Mota Cerveira e Inês Vieira de Almeida, advogados especializados em direito administrativo, explicam que ao caso é aplicável a lei que regula o estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos (cuja última versão é de 2005). O artigo 17.o determina que os deputados a residir fora de Lisboa têm direito à ajuda de custo fixada para os membros do governo. Em causa está um subsídio de alojamento de cerca de 225 euros por semana, a que acresce um subsídio eventual por cada dia de presença em reunião plenária ou comissões.

No entendimento dos dois advogados, a deputada terá direito a este subsídio e poderá, por exemplo, destiná-lo ao pagamento das viagens de avião. "Não há é base legal para que o excesso seja pago pelo Parlamento", acrescentam. Vários advogados e professores universitários contactados preferiram não fazer comentários. A justificação é simples: trata-se de uma matéria "mais política que jurídica", como afirma Luís Fábrica.

Não foi fixado um prazo para que o auditor jurídico apresente o seu parecer, mas Jorge Costa, deputado social-democrata que integra o conselho de administração da Assembleia, espera que o dossiê fique resolvido em poucas semanas: "Talvez em meados de Abril." Até agora não foi paga qualquer viagem. As deslocações prolongam-se há cinco meses, a ritmo quase semanal. "É fazer as contas, tendo por referência o preço de um bilhete em executiva", afirma Jorge Costa. O voo de ida e volta custa, na TAP, 582 euros. Contactada pelo i, Inês de Medeiros remeteu para a carta, em que sublinha nunca ter pedido qualquer tratamento de excepção. "Não faço mais comentários até a Assembleia se pronunciar", afirma.



http://www.ionline.pt/conteudo/53332-parlamento-lei-nao-permite-pagar-viagens-ines-paris

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