domingo, 14 de março de 2010

Direito Administrativo Francês

O Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se primeiramente em França, consagrando a sua autonomia enquanto ramo da ciência jurídica em 1873. Ligados ao seu nascimento estão dois acontecimentos "traumáticos" que vão influenciar toda a sua vida futura.

Os revolucionários franceses moldaram a teoria da separação dos poderes ao seu próprio pensamento e actuação, dando primazia ao poder legislativo e executivo sobre o judicial, o que levou a criação de um "juiz doméstico", concedendo à Administração o poder de se julgar a si mesmo.

  • Surgimento do Contencioso Administrativo, na Revolução Francesa --> concebido como "privilégio de foro" da administração destinada a garantir a defesa dos poderes públicos e não assegurar a protecção dos direitos dos particulares.
  • Instaurou-se um sistema assente na "confusão entre a função de administrar e julgar" (Debbasch/Ricci), na promiscuidade entre o poder administrativo e o poder judicial. O Contencioso Administrativo está nesta altura absolutamente dependente da Administração.
  • Os revolucionários franceses vêm proibir os tribunais judiciais de interferir na esfera da administração, guiando-se pelo princípio de que "julgar a Administração é ainda administrar" (Portalis), impedindo o princípio da separação de poderes de atingir a sua verdadeira essência.

As circunstâncias em que a autonomia do Direito Administrativo foi afirmada prendem-se com o segundo "acontecimento traumático" da infância negra do Direito Administrativo.

  • Caso de Agnès Blanco, uma menina que foi atropelada por um vagão de serviço público:

o Os seus pais não conseguiram obter a devida indemnização, nem do Tribunal de Bordéus, nem do Conselho de Estado, uma vez que ambos se declararam incompetentes para decidir uma questão em que intervinha a Administração e que como tal ambos entendiam não ser directamente regulada pelo Código Civil (conflito negativo de competência);

o Para resolver a questão, o Tribunal de Conflitos foi chamado a pronunciar-se. Vem dizer que a competência para decidir cabia à ordem administrativa, deste modo resolvendo o conflito de jurisdições. Vai considerar que por estar em causa um serviço público, a indemnização não podia ser regulada pelas normas aplicáveis às relações entre particulares. Tem que se criar um direito especial para regular as questões que dizem respeito à Administração, e que tomasse em consideração o estatuto de privilégio desta.

O nascimento deste ramo do Direito - que se vai mostrar tão importante para o desenvolvimento da sociedade e que vai sofrer uma tão extraordinária evolução e concretização - fica marcado por este triste começo, uma vez que a afirmação da sua autonomia surge para justificar a necessidade de limitar a responsabilidade da Administração perante uma criança de cinco anos. Um Direito que começa por negar o direito dos particulares vai-se transformar, paulatinamente, num guardião dos direitos dos particulares.

Durante muito tempo vai, em França, vigorar o período do "administrador juiz", o qual apresentou três momentos principais na sua evolução:

  • 1º momento – Revolução Francesa até 1799 --> o julgamento dos litígios é remetido para os próprios órgãos da Administração activa;
  • 2º momento – de 1799 a 1872 --> sistema de "justiça reservada" + criação do Conselho de Estado;
  • 3º momento – de 1872 em diante --> sistema de “justiça delegada”.

Em França, durante este período, vigorava paralelamente o sistema do “ministro-juiz”, que foi abolido com o acórdão Cadot (1889), o qual considerou o Conselho de Estado como a primeira instância do Contencioso Administrativo, colocando em funcionamento um sistema de duas instâncias e procedendo à jurisdicionalização plena de cada uma delas, que vai ser efectivamente estabelecida pela reforma de 1953.

Reforma de 1957 --> criou uma instância intermédia (“Cours Administratives d'Appel”).

Progressiva autonomização da secção Contenciosa em relação à secção administrativa do Conselho de Estado, transformando-a num verdadeiro Tribunal Administrativo, órgão autónomo integrado no poder judicial, que apesar de estar sediado num órgão da administração não se confunde com ele.

Importante actuação do Conselho Constitucional que, através da sua jurisprudência, libertou os tribunais administrativos dos grilhões que ainda o aprisionavam à Administração Pública.

O Direito Administrativo adapta-se à sociedade em que vive:

  • Estado Liberal --> Administração agressiva, que estabelece contactos pontuais com os particulares;
  • Estado Social --> Administração Prestadora, que estabelece relações duradouras e permanentes com os particulares;

Uma nova mudança de paradigma dá-se com a “europeização” da qual resulta a crescente uniformização das várias legislações nacionais, potenciada pela integração jurídica (horizontal) e pelo comparatismo entre sistemas.

  • A existência e desenvolvimento de um novo Processo Administrativo Europeu.

Ao nível da União Europeia, o Direito Administrativo adquiriu uma outra dimensão, enquanto componente essencial de uma ordem jurídica própria. A administração comunitária interpenetra-se com as administrações internacionais.

  • Existência de importantes políticas públicas comunitárias que correspondem à prossecução de tarefas administrativas a nível europeu;
  • “Progressiva comunitarização dos modelos administrativos nacionais”;
  • Novas formas de organização compósitas e fenómenos de co-administração.

Direito da União Europeia é essencialmente Direito Administrativo, pelo que as dogmáticas nacionais não se podem manter inalteráveis.

A “europeização” veio contribuir para uma tutela plenamente jurisdicionalizada e subjectivizada:

  • Direito de acesso à Justiça Administrativa criada pela jurisprudência constitucional sob pressão do Direito Europeu;
  • Concretização plena de um direito a um processo equitativo;
  • Consagração genérica do princípio da inamovibilidade dos juízes administrativos;
  • O direito à imparcialidade teve consequências nas regras processuais;
  • Nítida separação entre as funções administrativas e de julgamento ao nível do Conselho de Estados;
  • Os poderes dos juízes administrativos não sofrem já qualquer limitação, e os meios processuais convergem para a plena jurisdição;
  • Possibilidade do juiz dirigir injunções à administração;
  • Surgimento de acções de reconhecimento de direitos e de condenação na prática de actos devidos;
  • Correcção do défice de protecção cautelar, oferecendo aos administrados garantias equivalentes as do processo civil;
  • Regime de execução das sentenças administrativas, criando mecanismos sancionatórios específicos – sanções pecuniárias compulsórias para coagir a Administração faltosa ao cumprimento das sentenças.

Com o acréscimo de normas de direito administrativo nacional e, principalmente, europeu, a especialização é verdadeiramente necessária. É humanamente impossível que um juiz de um tribunal comum conheça a fundo toda a legislação do “direito comum”, do direito administrativo e ainda do direito europeu, e que para além disto seja capaz de acompanhar a evolução dinâmica da jurisprudência deste último. A especialização conduz a uma maior eficácia, o que vai resultar numa tutela mais exigente dos direitos dos particulares.

Grupo que realizou o trabalho:

Maria Capela
Rita Sobral
Martim Barata
Carolina Veríssimo da Silva

1 comentário:

  1. O Sistema Administrativo do tipo francês ou de Administração Executiva, caracteriza-se por traços essenciais do direito romano-germânico em geral:
    -Escassa relevância do costume
    -Sujeição a reformas globais impostas pelo legislador em dados momentos
    -Papel primordial da lei como fonte de direito
    -Distinção básica entre o direito público e o direito privado
    -Função de importância muito variável dos tribunais na aplicação do direito do legislado
    -Maior influência da doutrina jurídica do que da jurisprudência
    -Mais prestígio do poder executivo do que do poder judicial

    Características do Sistema Administrativo de tipo francês:
    a) Separação dos poderes, com a revolução francesa foi proclamado em 1789, o princípio da separação de poderes. A administração ficou separada da justiça –poder executivo para um lado, poder judicial para o outro.
    b) Estado de direito, enunciaram-se os direitos subjectivos públicos invocáveis pelo individuo contra o Estado; é de 1789 “declaração dos direitos do homem e do cidadão”, cujo o artigo 16, exige um sistema de “garantia dos direitos”.
    c)Centralização, uma nova classe social e uma nova elite dirigente chegam ao poder. Para impor as novas ideias, para implementar todas as reformas políticas, económicas essenciais ditadas pela Razão, e para vencer as muitas resistências suscitadas, tornar-se indispensável construir um aparelho administrativo disciplinado, obediente e eficaz.
    d)Sujeição da administração aos tribunais administrativos, depois da Revolução, continuando os tribunais comuns nas mãos da antiga nobreza, esses tribunais foram focos de resistência à implantação do novo regime, das novas ideias, da nova ordem económica e social.
    O poder político teve de tomar providências para impedir intramissões do poder judicial.
    Surge assim, uma interpretação do princípio da separação diferente da que prevalecia em Inglaterra:
    - O poder executivo não podia intrometer-se nos assuntos de competência dos tribunais e o poder judicial também não poderia interferir no funcionamento da administração pública
    - A lei proíbe aos juízes que conheçam de litígios contra as autoridades administrativas e em 1799 são criados os tribunais administrativos, que não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos da administração, independentes e imparciais, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos actos da administração e de julgar o contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil
    e)Subordinação da administração ao direito administrativo, os órgãos e agentes administrativos pela sua força, eficácia e capacidade de intervenção, não estão na mesma posição que os particulares. Exercem funções de interesse público e utilidade geral e devem por isso dispor quer de poderes de autoridade, que lhes permitam impor as suas decisões aos particulares, quer de privilégios ou imunidades pessoais, que as coloquem ao abrigo de perseguições ou más vontades vindas dos interesses feridos.
    f) O privilégio da execução prévia, o direito administrativo confere, pois, á administração pública um conjunto de poderes exorbitantes sobre os cidadãos que permite á administração executar as suas decisões por autoridade própria. Quando um órgão administração francesa toma uma decisão desfavorável a um particular e se ele não acata voluntariamente, esse órgão pode por si só empregar meios coactivos, inclusive a polícia, para impor o respeito pela sua decisão e pode fazê-lo sem ter de recorrer a tribunal para o efeito.

    Carlos Guilherme
    140104112

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