domingo, 21 de março de 2010

Sistema Administrativo De Tipo Britânico Versus Sistema Administrativo De Tipo Francês

Na aula do passado dia 9 de Março deu-se um debate acerca do tema sistemas administrativos. A discussão centrou-se na distinção entre os dois sistemas administrativos modernos que vigoraram na Europa a partir do século XVIII, o sistema administrativo de tipo britânico ou de administração judiciária e o sistema administrativo de tipo francês ou de administração executiva. Para tal, as duas turmas dividiram-se em 3 grupos: um grupo ficou responsável pelo esclarecimento do sistema administrativo de tipo britânico, outro grupo ficou encarregue do sistema administrativo de tipo francês, e os restantes alunos formaram um “bloco central” cuja principal função era o de pôr perguntas aos colegas encarregues de cada sistema e, no final da discussão, decidir qual o grupo que melhor conseguiu defender o sistema de que ficou encarregue e, por fim, a decisão de qual o melhor sistema.
O grupo responsável pelo sistema administrativo de tipo britânico iniciou a sua apresentação expondo alguns dos aspectos fundamentais do Direito anglo-saxónico: lenta formação ao longo dos séculos; papel destacado do costume como fonte de Direito; distinção entre common law e equity; função primacial dos tribunais na definição do Direito vigente; vinculação à regra do precedente; grande independência dos juízes e forte prestígio do poder judicial. De seguida, apresentou as sete principais características do sistema:
· Separação de poderes,
· Estado de Direito,
· Sujeição da Administração aos tribunais comuns
· Execução judicial das decisões administrativas
· Garantias jurídicas dos particulares
· Descentralização
A separação de poderes foi um dos princípios que mais influenciou o sistema administrativo de tipo britânico: em 1641 por força da abolição da Star Chamber o Rei foi impedido de resolver por si, ou por conselhos formados por funcionários da sua confiança, questões de natureza contenciosa. Foi também proibido, em 1701 com o Act of Settlement, de dar ordens, transferir ou demitir juízes. Pode-se afirmar que o tratamento dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos britânicos consagrados no Bill of Rights, que data de 1689, asseguravam o Estado de Direito. O Bill of rights determinou que o Direito comum seria “aplicável a todos os ingleses – Rei ou súbdito, servidor da coroa ou particular, militar ou civil, - de qualquer parte da Grã-Bretanha”, ou seja, o Direito estava acima de qualquer pessoa ou entidade pública ou privada. Portanto, o Rei ficou, desde então, claramente subordinado ao Direito comum, Direito esse consuetudinário. Em consequência do rule of law, tanto o Rei como os seus conselhos e funcionários se regiam pelo mesmo direito que os cidadãos anónimos. Todos os órgãos e agentes da administração pública estavam, pois, em princípio, submetidos ao Direito comum, o que significa que não dispunham de privilégios por serem autoridade pública. Outra limitação do poder administrativo estava ligada com a sujeição da administração aos tribunais comuns. A Administração Pública estava submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns (courts of law), o que quer dizer que a administração e particulares estavam submetidos aos mesmos tribunais, não havendo qualquer tipo de privilégios ou imunidades para os poderes públicos mesmo no exercício das suas funções. Os litígios que surgissem entre entidades administrativas e os particulares não eram da competência de tribunais especiais, entravam sim na jurisdição dos tribunais comuns. No sistema administrativo de tipo britânico a Administração Pública não podia nem pode executar as suas decisões por autoridade própria. Se um órgão da administração tomar uma decisão desfavorável a um particular e o particular não acatar essa decisão voluntariamente, esse órgão não poderá por si só empregar meios coactivos para impor o respeito da sua decisão: terá que ir a tribunal (um tribunal comum) obter uma sentença que torne imperativa aquela decisão. Ou seja, as decisões unilaterais da administração não têm, em princípio, força executória própria, não podendo por isso ser impostas sem uma prévia intervenção do poder judicial. Tendo em conta o exposto anteriormente, é natural que se chegue à conclusão que o sistema administrativo de tipo britânico apresenta um sistema que visa, com grande preocupação, dar garantias aos particulares contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública. Quanto à característica da descentralização, apenas se pode afirmar que em Inglaterra cedo se fez a distinção entre a Administração central (central government) e a Administração local (local government). As autarquias locais gozavam de uma ampla autonomia face à diminuta intervenção central, daí a serem encaradas como entidades independentes, verdadeiros governos locais, e não como instrumentos do governo central.
O sistema oriundo de Inglaterra vigora hoje em dia na generalidade dos países anglo-saxónicos, nomeadamente nos Estado Unidos da América.


Por sua vez, o grupo responsável pelo sistema administrativo de tipo francês iniciou a sua apresentação expondo alguns dos aspectos fundamentais do Direito romano-germânico: escassa relevância do costume; sujeição a reformas globais impostas pelo legislador em dados momentos; papel primordial da lei como fonte de Direito; distinção básica entre Direito público e Direito privado; função de importância muito variável dos tribunais na aplicação do Direito legislado; maior influencia da doutrina jurídica do que da jurisprudência; mais prestígio do poder executivo do que do poder judicial. Seguidamente, expôs algumas características do sistema:
· Separação dos poderes
· Estado de Direito
· Sujeição da Administração aos tribunais administrativos
· Centralização
· Subordinação da Administração ao Direito administrativo
· Privilégio da execução prévia
· Garantias jurídicas dos particulares
O princípio da separação de poderes foi proclamado com a Revolução Francesa, em 1789. Tal como se sucedeu em Inglaterra, embora com menos expressão que em França, a Administração separou-se da Justiça. Além da proclamação do princípio da separação de poderes, enunciaram-se, no mesmo ano, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os direitos subjectivos públicos invocáveis pelo indivíduo contra o Estado – Estado de Direito. Quanto aos tribunais comuns, eram dirigidos pela antiga nobreza, e, muitas vezes, intrometiam-se no normal funcionamento do poder executivo. Portanto, respeitando o princípio de que se a administração não pode interferir nos assuntos de competência dos tribunais também os tribunais não podem interferir em assuntos próprios da administração, em 1790 e 1795 foi criada uma lei que proibiu o conhecimento de litígios contra as autoridades administrativas por parte dos juízes. Grande passo, na autonomização da administração, foi dado em 1799 com a criação de tribunais administrativos. Os tribunais administrativos não eram verdadeiros tribunais mas sim órgãos da administração, em regra independentes e imparciais, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos actos da administração e de julgar o contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.
Como se sabe, a Revolução Francesa mudou totalmente a realidade social e política francesa. Tornou-se, por muitas razões que agora não poderão ser explicadas, indispensável construir um aparelho administrativo disciplinado, obediente e acima de tudo eficaz. Foi Napoleão quem se ocupou de transformar o aparelho administrativo francês através da introdução de decisões, tais como: que os funcionários da administration centrale passariam a estar organizados segundo o princípio da hierarquia; que o território francês passaria a estar dividido em cerca de 80 départements chefiados por prefeitos (que formam a poderosa administration locale de l’État); e que os municípios perderiam a autonomia administrativa e financeira em favor do poder central. Concluindo, as autarquias locais, embora com personalidade jurídica própria não passavam de instrumentos administrativos do poder central (Centralização). Tendo sempre em mente a força, eficácia e a capacidade de intervenção que se pretendia da Administração, o Conseil d’État considerou que os órgãos e agentes administrativos não estavam ao mesmo nível que os particulares, nomeadamente por exercerem funções de interesse público e utilidade geral. Por isso deveriam dispor de poderes de autoridade que lhes permitissem impor as suas decisões aos particulares e lhes permitissem ter imunidades pessoais. Entendia-se que, tendo a administração de prosseguir interesse público, satisfazendo as necessidades colectivas, esta deveria sobrepor-se aos interesses particulares que se opusessem à realização dos interesses gerais. Como é óbvio, por ter mais Direito e autoridade que os particulares, a administração também tinha mais responsabilidades. Nasce, portanto, o Direito administrativo. A Direito administrativo confere à Administração Pública um conjunto de poderes muito mais fortes que os conferidos aos cidadãos. De entre esses poderes destaca-se o “privilégio da execução prévia” que permite à administração executar as suas decisões por autoridade própria, isto é, quando um órgão da administração francesa toma uma decisão desfavorável a um particular e se ele não a acatar voluntariamente, esse órgão pode empregar meios coactivos para impor o respeito pela sua decisão sem ter que recorrer a um tribunal comum para esse efeito. Por assentar no modelo de Estado de Direito, a sistema administrativo francês oferece aos particulares garantias jurídicas para estes se protegerem dos abusos e ilegalidades da Administração Pública. Essas garantias são efectivadas através dos tribunais administrativos. Os tribunais administrativos não gozam de plena jurisdição face à Administração. Na maior parte dos casos, o tribunal administrativo apenas pode anular o acto praticado pela administração se este for ilegal, mas não pode obrigar a administração a tomar certa decisão ou a acatar certo comportamento. Portanto, os tribunais são independentes perante a administração e a administração é independente perante os tribunais.
Este sistema que nasceu em França, vigora, hoje em dia, em quase todos os países da Europa Ocidental.

Tal como sabemos, o Direito administrativo nasceu em França e, portanto, a ideia de que o Direito administrativo é diferente do Direito comum é uma ideia francesa – dualidade de Direitos. Historicamente, há uma contraposição entre Direito administrativo e Direito comum. Do lado do sistema francês, quando se fala de um Direito especial isso não significa que o Direito utilizado pela Administração Pública se contrapõe ao direito utilizado pelos particulares, pelo contrário. A Administração Pública tem utilizado cada vez mais o Direito privado juntamente com o Direito administrativo, o que nos leva a considerar que o Direito deixa de ser privado porque o que está em causa é o interesse público. No Direito britânico, em que inicialmente não havia direito administrativo, essa lógica foi alterada com o Estado Social de Direito. Portanto ao lado do Direito comum há agora um Direito criado pela e para a Administração. O problema de hoje é o problema das da delimitação de fronteiras entre a Administração Pública e o Direito comum. Assim, um dos problemas que temos hoje é o problema dos limites. Notamos actualmente uma aproximação dos modelos administrativos.
A realidade antiga hoje não faz sentido. Quanto aos poderes da administração, a ideia do privilégio da administração prévia já não faz sentido. Agora, no quadro francês a administração actua de forma unilateral e essas actuações criam efeitos jurídicos na esfera de outrem. Os poderes públicos correspondem então a direitos potestativos. Do lado francês, em resultado da evolução e com a europeização criou-se uma tutela cautelar, ou seja, uma atenção para equilibrar a relação entre os particulares e Estado, isto é, há uma decisão provisória. Em ambos os sistemas a administração goza de poderes de auto-tutela.
Quanto à questão dos tribunais, o sistema francês começou por respeitar uma lógica de criar um tribunal administrativo, hoje os tribunais administrativos são perfeitos tribunais judiciais. Actualmente os tribunais administrativos não estão limitados por nenhum poder. Os particulares e administração estão em posição de igualdade e consequentemente, o tribunal trata-os como partes na relação, em posição de igualdade. No sistema britânico, no início, os tribunais não se distinguiam, porém hoje há vários tribunais especializados em razão da matéria em Inglaterra. A diferença entre os dois sistemas está no facto de na lógica britânica haver dualidade só na primeira instância da resolução do caso enquanto no sistema francês a essa dualidade é levada até à última instância. Segundo a lógica britânica, depois da primeira instância apenas se resolve o caso tendo em conta a legislação comum.
Ao contrário do que se possa pensar, o controlo do poder discricionário sempre foi mais intenso no sistema francês que no sistema britânico.


Opiniões apresentadas na discussão:
· Lado francês: melhor especialização e melhor eficácia e celeridade decorrentes da especialização
· Lado britânico: maior unanimidade e por isso melhor decisão por parte do juiz porque conhece melhor o Direito comum e por isso há melhor defesa das garantias dos particulares


Conclusão:
Os resultados de debate foram muito positivos para todos os alunos: para uns porque tiveram a oportunidade de expor as suas ideias, e para outros que puderam tirar proveito de muita informação de grande qualidade que foi apresentada. Não considero ter havido equipa vencedora, uma vez que as equipas apresentaram o seu sistema com igual qualidade. Os dois sistemas, que a início pareceram tão distantes um do outro, tal como os argumentos apresentados pelas equipas, acabaram por se aproximar harmoniosamente.










Adriana Oliveira Mourato
140108035

1 comentário:

  1. Caros colegas,

    Encontrei este artigo sobre a actualidade do Direito Administrativo Britânico, e uma vez que o nosso estudo se tem vergado sobre os diferentes modelos administrativos, achei que seria de interesse a partilha desta notícia.

    Esta semana Gordon Brown propôs mudanças substanciais e inovadoras no campo da administração pública. Acho que seria um exemplo a seguir pelos países europeus nestes momentos de crise;

    "O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, quer acabar com o papel na administração pública, apostando numa relação entre o Estado e os cidadãos através da Internet.

    Os media britânicos assinalam que este plano tecnológico irá permitir uma poupança de milhões de euros anualmente.

    Depois de ter definido como objectivo fazer chegar Internet em banda larga a quase todos os lares britânicos até 2012, os trabalhistas querem apostar na Web para prestar serviços públicos, que sejam mais «baratos», «personalizados» e «eficazes».

    O financiamento deste plano, que deverá ser implementado durante a próxima década, será feito através de um imposto anual de nove euros."

    Fonte: http://diario.iol.pt/tecnologia/gordon-brown-tvi24-internet-reino-unido/1149314-4069.html

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