segunda-feira, 17 de maio de 2010

Direito administrativo no país da realidade

Aqui vai um possível caso prático, real, sobre assuntos de actualidade no nosso país.
O Jornal Expresso do passado sábado avançava uma notícia acerca da terceira travessia do Tejo:
"O governo vai avançar com o projecto de uma terceira travessia sobre o Tejo, «mantendo uma travessia rodoferroviária », avança ao Expresso o secretário de Estado dos Transportes Correia da Fonseca. Mas esta orientação não significa que este projecto se mantenha como esteve previsto até aqui. Pelo contrário. Mudará tudo, até porque o actual concurso vai ser anulado (...) o Governo (...) vai anular o concurso público lançado para a construção e concessão do troço de TGV entre Lisboa e Poceirão, onde o consórcio liderado pela construtora espanhola FCC. Segundo o Secretário de Estado dos Transportes, este concurso «será anulado devido a alteração das condições iniciais, técnicas e financeiras». Contudo nesta altura o Governo prefere não detalhar os argumentos que sustentam a decisão."
Este adiamento da terceira travessia, incluída no troço Lisboa-Poceirão (sem o qual a linha de Alta Velocidade Lisboa-Madrid é "inviável") acontece alguns dias depois do Ministro das Obras Públicas afirmar, na cerimónia de assinatura do contrato do troço de alta velocidade (TGV) Poceirão-Caia, que "resolvemos protelar a decisão sobre o modelo de construção do novo aeroporto", como noticia o jornal Público. Temos, portanto, uma suspensão de grandes investimentos, cuja fundamentação reside nas "dificuldades económicas e financeiras actuais", diz o Ministro das Obras Públicas.
Neste panorama, teve lugar no passado dia 8 deste mês a assinatura do contrato do troço de Alta Velocidade entre Poceirão e Caia, adjudicado ao consórcio Elos - Ligações de Alta Velocidade, co-liderado pela Brisa e pela Soares da Costa. O Presidente da República promulgou o decreto-lei que aprova as bases de concessão do mesmo troço no dia 13. Situamo-nos no domínio do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, que contém as normas especiais das parcerias público privadas, definidas no art.2º do mesmo documento.
No referido decreto-lei vêm enunciadas algumas razões que terão fundamentado a actuação do Governo: "pelo seu contributo para o desenvolvimento económico, coesão territorial e social e modernização do País, assegurando o estabelecimento de ligações à rede transeuropeia de transportes (RTE -T), elemento central da política europeia para o relançamento do transporte ferroviário, associado a valores de competitividade, eficiência e sustentabilidade, e que prevê a construção de cerca de 20 000 km de alta velocidade ferroviária interoperável em toda a Europa até ao ano de 2020 (...) Os estudos efectuados apontam para impactes económicos assinaláveis, em termos acumulados e num horizonte temporal de 30 anos, incluindo a criação de postos de trabalho a longo prazo e um aumento do investimento, do produto interno bruto e da receita fiscal. O desenvolvimento do Projecto RAV tem assim benefícios significativos para o País nos planos económico, social, de mobilidade e ainda ambiental." A Presidência da República, em comunicado, justifica a promulgação do DL tendo em conta que "o Governo comunicou que irá proceder à certificação por entidade independente da última análise custo-benefício realizada sobre este projecto", uma vez que "as informações recebidas não esclarecem todas as dúvidas". Vários economistas de renome, incluindo grande parte dos ex-Ministros das Finanças dos últimos 30 anos, estão manifestamente contra um tal investimento público.

Quid juris quanto à actuação do Governo nestas matérias?

Caso Prático

Ana requereu à câmara municipal do município onde estuda, que tem 15 000 eleitores, a atribuição de uma bolsa de estudo. Ana reside num concelho vizinho.
Na reunião em que este requerimento foi apreciado estiveram presentes quatro vereadores, tendo dois votado a favor e dois contra, empate que foi resolvido através da intervenção do vereador mais antigo. A competência em causa tinha sido anteriormente delegada no presidente da câmara, o que não constava de acta.
Discordando daquela deliberação, o presidente da câmara decidiu atribuir a Ana a bolsa requerida, em valor que esgotava 2/3 da verba orçamentada para tal fim. O motivo que o levou à adopção de uma decisão com tal conteúdo foi o de constranger a assembleia municipal a aprovar um orçamento rectificativo para o ano em curso.
Perante isto, o ministro da educação decidiu, sem qualquer procedimento prévio, revogar o acto do presidente da câmara, determinar a perda do mandato deste e determinar que a aquela câmara municipal passasse a atribuir bolsas apenas a estudantes com determinada média.
Quid iuris?

Governo vai congelar a admissão de médicos, enfermeiros e professores


Caros colegas,

No dia 15 de Maio a SIC anunciou que Plano de Austeridade, anunciado pelo Governo, vai afectar todos os portugueses. Uma das novidades é o congelamento de admissões de pessoal na Função Pública. Uma medida que se estende à Educação e à Saúde. O Serviço Nacional de Saúde está proibido de contratar médicos e enfermeiros. No Ministério da Educação só avançam os concursos que já foram autorizados. Quem receber o subsídio de férias depois de 1 Julho já deve sentir os cortes.

Como vimos a administração pública está envolvida com todos estes sectores e no seu empenho em satisfazer as nossas necessidades devemos perguntar-nos porquê estes súbitos cortes? Não percebo de economia é certo, não vos quero falar da crise e da implementação deste plano para reduzir algumas despesas do Estado e de diminuição do défice público. Queria apenas referir um ponto de vista mais simplista e prático, pois a minha primeira reacção a estas medidas foi indubitavelmente; o que será dos estudantes e dos desempregados?

Será possível não conceder mais médicos aos hospitais e centros de saúde quando a maioria dos Portugueses nem dispõe de um médico de família? Ou, falando ainda de concursos públicos, não possibilitar às pessoas as oportunidades de trabalho que lhes são devidas?

Não querendo ser demasiado crítica deixarei apenas o assunto no ar para quem queira expressar a sua opinião sobre este tópico controverso!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Regulamento - Quem sou eu, afinal?

Quem sou eu, afinal?
Após leitura do texto do amigo João Gabriel, decidi consultar um psicólogo para identificar se os meus problemas existenciais tinham que ver com O Complexo de Édipo.
Quanto ao nome escolhido pelos meus “pais”-Regulamento Administrativo -gerou e continua a gerar controvérsia em alguma doutrina. Este nome tem vários significados e efeitos diferenciados. Assim, tanto sou “o nível inferior do ordenamento administrativo sendo os níveis superiores sucessivamente ocupados pelas normas e princípios Constitucionais (in“ Ordenamento Jurídico Administrativo, Vieira de Andrade,p.58),como sou uma fonte secundária do Direito Administrativo, (in "Direito Administrativo" Freitas do Amaral, Vol. II, 2001, pág. 153).
Acham-me imprescindível ao funcionamento do Estado moderno (in Droit administratif Allemand,p.65 de Hartmut Maurer).
Materialmente consisto em normas jurídicas, porque sou regra de conduta da vida social, dotado de generalidade e de abstracção. Aqui me distancio do meu primo “Acto Administrativo”.Organicamente, nasço de um órgão de uma pessoa colectiva pública integrada na Administração Pública. Apesar que, por vezes há surpresas e assim apareço ligado a entidades de direito privado dotadas de poder regulamentar (acórdão nº472/89 do Tribunal Constitucional). No entanto, a minha grande vocação é administrativa.
Posso revestir inúmeras espécies e aqui surge algum nervosismo; porque tanto estou obrigado a ser um regulamento complementar ou de execução como um regulamento autónomo.
Segundo o meu psicólogo, esta distinção parece bastante clara, - ajudou-me a discernir que a minha função, enquanto regulamento complementar, visa desenvolver ou aprofundar a disciplina jurídica constante de uma lei tendo, como parâmetros os definidos na própria norma. Quando assim acontece, a minha missão é cumprida e os destinatários da norma poderão ter a vida facilitada pela definição clara de critérios.
Caso, não cumpra essa finalidade poderei estar a incorrer numa ilegalidade porque estou a violar a lei que me habilitou. Nesse caso, não há inconstitucionalidade mas sim, ilegalidade, susceptível de ser declarada pelo Tribunal Administrativo. Aqui a culpa é minha e gera-se o que o meu amigo João chama de Complexo de Édipo mas não, necessariamente nos termos em que ele o define. Quando não obedeço à lei habilitante, o pai (administração) não cumpriu com a sua missão o que origina uma reacção de amor pela mãe (lei) por força legal ou seja por amor aos Princípios Constitucionais consagrados no CRP bem como pela sua concretização no CPA.
Assim, há que matar o resultado do trabalho da administração (pai) na minha formação, para que possa reatar a minha relação com a mãe (lei) ,permitindo o renascimento. É claro que por vezes os vícios que padeço não obriga a uma vivência total do referido Complexo de Édipo!
Quando corre bem, os interesses dos destinatários estão à partida mais definidos permitindo-lhes através de mecanismos próprios, verificar se a administração cumpre com a lei habilitante – situar-me “secundum legem”é o meu lema!
Por outro lado, tenha uma função de regulamento autónomo; é através da atribuição por lei de competências a um órgão, que se verifica o meu nascimento. Actuar, contra-legem conduz indubitavelmente à violação do Princípio da Legalidade o que não é bom para minha reputação. Convém sempre obedecer aos requisitos formais para evitar problemas.
A Constituição é a referência máxima, artigos 266.º e seguintes e concretamente sobre mim, artigos 112.º/7 e 8 da CRP, bem como todos os direitos e garantias concretizados no CPA.
Sinto uma grande responsabilidade; a projecção da minha eficácia pode ter alcance interno quando os meus efeitos jurídicos se produzem dentro da pessoa colectiva que me criou ou externos quando produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de direito.
Após a consulta, descobri que em alguns momentos sinto o efeito de complexo de Édipo essencialmente quando o resultado pretendido pela lei habilitante (mãe) não é concretizado pela administração (pai).

Cláudia Muller 140108501

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Caso Prático

Caros colegas,

Atendendo a que algumas pessoas não puderam estar presentes na última aula, passo a transcrever o caso ditado na mesma pelo Professor e a resolver até à próxima aula:

O Instituto Português do Património Cultural é a entidade pública com atribuições na área da preservação nacional cultural. Para mais eficazmente fazer face às inúmeras solicitações nesta matéria em todo o território nacional, o Conselho Directivo delegara as suas competências para obras urgentes aos directores regionais do instituto, em despacho publicado no boletim interno.
O Presidente do conselho directivo do Instituto, em deslocação ao concelho de Monção recebeu as queixas do município relativamente ao estado de iminente ruína de uma igreja do século XIII aí existente.
Em face desta contestação, o Presidente ordenou ao director regional Norte, que o acompanhava na deslocação, que procedesse as necessárias obras com urgência.
O director regional abriu de imediato concurso para a realização das obras, tendo concorrido três empreiteiros, um deles irmão do Presidente da Câmara local, que apresentou a proposta de preço mais elevado. Instado pela pressão municipal, o director regional adjudica a obra a este, alegando que a lei lhe permite escolher a proposta mais vantajosa e não necessariamente a de preço mais baixo; reforçando que esta proposta tinha condições técnicas superiores as restantes.
Alertado para o facto pelos derrotados, o Secretário de Estado da Cultura ordena ao Conselho Directivo do instituto que revogue a decisão do director regional, o que este faz.
Quid iuris?

terça-feira, 11 de maio de 2010

Silêncio, que não se vai ouvir o requiem

No âmbito dos contratos públicos, a doutrina é divergente quanto à sua qualificação. Uns, seguindo a ideia da professora Maria João Estorninho, vêm desde há muito apoiando a ideia da não separação entre contratos administrativos e contratos da administração de natureza privada. Outros, por via de uma lógica esquizofrénica, mantêm-se fieis à bipartição dos contratos administrativos.
A lógica de uma Administração de poder dificilmente se compatibiliza com a ideia de contrato. Como se sabe, o contrato consiste numa relação bilateral com lógica de igualdade das partes, enquanto a actuação de uma Administração com poderes exorbitantes se caracteriza pela sua natureza unilateral. No âmbito do contencioso administrativo francês nasce a necessidade de atribuir privilégio do foro a certo tipo de contratos celebrados pela Administração Pública (abastecimento de gás numa cidade). Este contratos consistiam nos mais importantes a nível económico e também os mais relevantes no âmbito das funções administrativas na sua lógica minimalista. Contudo, o contrato era sempre visto como uma excepção de actuação, dado que a actuação administrativa era claramente actocêntrica.
Esta consequência prática é então teorizada, e inicia-se na doutrina a tradição da separação entre contratos administrativos, julgados nas instâncias administrativas, e contratos da administração de direito privado julgados em tribunais comuns.
Esta distinção não se afigura pertinente. A diferença entre contrato administrativo e privado não é justificativa. Estes últimos tratam-se de contratos de direito administrativo, submetidos aos princípios de direito administrativo e a decisão de contrato é uma decisão pública. Quanto aos contratos administrativos, a sua natureza não é suficientemente caracterizada para que a distinção seja necessária. Não nos encontramos hoje numa lógica de poderes exorbitantes da administração em que certos contratos necessitam de se encontrar providos de privilegio de foro. A lógica mudou, o contrato passa a ser uma das várias actuações possíveis da Administração, pelo que as razões práticas do século XIX que levam a esta distinção não fazem hoje sentido.
Esta ideia tem sido defendida pela professora Maria João Estorninho, Professor Vasco Pereira da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa.
A europeização administrativa vem engrandecer esta doutrina na medida em que não prevê qualquer distinção deste tipo. Com os diferentes regimes vigentes no âmbito europeu, foi necessário encontrar critérios aplicáveis a sistemas de matriz francesa, alemã e anglo-saxónica. Assim, a UE vai optar por estabelecer regras para certos tipos de contratos, independentemente da sua sua classificação interna.Cria um regime especial para os contratos que correspondem ao conceito europeu de exercício de actividade administrativa. Por outro lado, selecciona sectores da sociedade de grande relevo em que se segue um regime especial de contratação (água, energia etc.) . Estes contratos têm sempre natureza pública, sendo celebrados por agentes públicos ou privados.
As directivas europeias criam assim um regime comum de contratos em termos substantivos, procedimentais e contenciosos. O Tribunal Administrativo é agora competente para decidir em qualquer tipo de contrato.
Contudo, estas directivas deixam ainda alguma margem de discricionariedade ao legislador nacional. Em Portugal, a transposição destas directivas conta ainda com um resquício da lógica esquizofrénica da distinção de contratos, apoiada por Sérvulo Correia e Rui Medeiros.
O legislador cria no Código de Contratação Pública um regime amplo de contrato público, em que se insere todo o tipo de exercício de função administrativa, criando em simultâneo uma subespécie de contratos administrativos. O critério de distinção utilizado pelo Supremo Tribunal Administrativo é o do "ambiente de direito público". Aqui se pretende englobar os contratos tipicamente administrativos. Quanto a nós, não nos parece correcto que um critério meramente olfactivo seja fundamento de distinção.
O CCP cria um regime comum a todos os contratos públicos e adiciona requisitos aos contratos administrativos.
Como se vê, apesar dos avanços europeus e de uma boa doutrina que contesta a distinção esquizofrénica, o legislador português em 2008 opta ainda pela lógica da distinção. De certo que se trata de uma distinção em termos menos absolutos do que aqueles propostos pelo Professor Marcelo Caetano, mas a diferenciação não deixa de ser significativa. De certa maneira, adiciona-se mais uma distinção àquelas já traçadas pela UE numa lógica horizontal para todos os Estados Membros. Poder-se-à questionar se esta distinção contraria o espírito das directivas em causa, visto que elas visam um regime comum a toda a UE, sem que mais distinções se mostrem necessárias.
Configura-se interessante o facto de em 2004, o legislador não introduzir no Código de Processo Administrativo qualquer tipo de distinção (artigo 4º).
Não se ouve ainda o requiem desta distinção no âmbito procedimental e substancial. Talvez por falta de coragem, talvez por falta de psicanálise.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

TGV: Um contrato público digno de estudo

O primeiro contrato do projeto português de alta velocidade ferroviária , referente ao troço Poceirão-Caia, será assinado no sábado e, segundo o ministro das Obras Públicas, "vai permitir pôr a obra no terreno".

"A decisão está tomada. Aliás, a assinatura do contrato é um pró-forma administrativo", afirmou hoje o ministro das Obras Públicas, António Mendonça, durante uma conferência de imprensa que se seguiu a um encontro com o presidente da Junta da Andaluzia, José António Grián.
O ministro lembrou que a assinatura do contrato é a fase final de um processo "realizado ao longo de meses" e que passou pela notificação da adjudicação, pela provação em Conselho de Ministros das bases de concessão e pela promulgação pela Presidência da República.
"Finalmente, [o processo] passa pela assinatura formal do contrato, que vai permitir pôr a obra no terreno", afirmou.

Modernização infraestrutural

António Mendonça disse que o país "vai dar um passo muito significativo na sua modernização infraestrutural" com o avanço do projeto de alta velocidade e ferroviária, passando para um "patamar superior de competitividade, de atractividade e de produção de sinergias económicas no plano das relações económicas" entre Portugal e Espanha.
O troço Poceirão-Caia, que integrará a futura linha de alta velocidade Lisboa-Madrid, foi adjudicado ao consórcio Elos - Ligações de Alta Velocidade, co-liderado pela Brisa e pela Soares da Costa.

Investimento de €1494 milhões

O investimento global na concessão do troço de TGV Poceirão-Caia ascende a mais de 1.494 milhões de euros, segundo uma informação divulgada pela Soares da Costa em dezembro.
Este valor inclui os custos do investimento e os encargos inerentes à manutenção ao longo da vida toda da concessão (40 anos).
O consórcio que vai construir o troço Poceirão-Caia integra também a Iridium Concesiones de Infraestructuras, do grupo espanhol ACS, Lena, Bento Pedroso, Edifer, Zagope, a norte-americana Babcock & Brown Limited, o BCP e a Caixa Geral de Depósitos (CGD).
A assinatura do contrato de concessão do troço Poceirão-Caia está agendada para as 10:30, no Ministério das Obras Públicas, em Lisboa.

Fonte: Lusa

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Caso Prático

Caros colegas, deixo-vos com um caso prático que encontrei na Internet. Penso que tem interesse para consolidação da matéria já dada referente ao Acto Administrativo. Aqui vai:

O Secretário de Estado da Adminsitração Interna, na sequência de denúncias de ilegalidades verificadas no concurso público aberto para recrutamento de juristas para o IMTT decidiu, ao abrigo da delegação ministerial, anular a decisão de homologação da acta de onde constava a lista de classificação final dos candidatos.

Inconformados, os candidatos que teriam sido admitidos, pretendem contestar a decisão de anulação, com os seguintes fundamentos:

1. a decisão deveu-se a pressões da imprensa escrita e não a nenhuma ilegalidade;
2. foi dispensada, sem qualquer motivo, a audiência dos interessados;
3. a fundamentação da decisão é obscura e contraditória;
4. a decisão não foi notifcada aos interessados.

Quid Juris?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O Complexo de Édipo do Regulamento

Afirma o Professor Freitas do Amaral que os regulamentos administrativos são "as normas jurídicas emanadas por uma autoridade administrativa no desempenho do poder administrativo" (in "Direito Administrativo" do Professor Freitas do Amaral, Vol. III, 1989, pág. 13), logo um regulamento administrativo exprime regras de conduta (verdadeiras e próprias regras de direito que podem ser impostas) dotadas de generalidade e abstracção, i.e., aplicam-se a uma pluralidade de destinatários, definidos através de conceitos ou categorias universais, e os seus comandos não se esgotam numa aplicação; aplicam-se sempre que se verifiquem as situações típicas que nele se encontrem previstas.
Unem-se aqui dois poderes de soberania que desde as revoluções liberais se tentaram separar. O poder executivo é exercido através de uma aparente norma jurídica, geral e abstracta. Observa-se assim a execução através de um meio "legislativo".
Há contudo que "separar as águas", hierarquicamente um regulamento está dependente da lei, quer seja a lei que desenvolve quer seja a lei que atribui a competência subjectiva e objectiva ao órgão para emitir o regulamento.
Observamos assim que somente autoridades administrativas podem emanar regulamentos, regulamentos esses intrinsecamente dependentes da lei, ao qual estão pelo menos ligados umbilicalmente.
Será então a lei a entidade maternal do regulamento, que o alimenta no nascimento, do qual nasce e com o qual terá sempre uma relação de dependência, e a entidade administrativa que a emana a sua entidade paternal, que o tenta separar da mãe depois de o conceber, criando sempre uma relação de conflito com o filho.
Chegamos então ao cerne da questão em análise. Devido à infância pouco saudável do regulamento, em que os pais se viram forçados a separar depois de anos "absolutamente" unidos em "sagrado matrimónio", esta pequena criança chamada regulamento criou traumas de infância que não conseguiu superar no ordenamento jurídico português onde os seus progenitores se voltaram a unir numa nova instituição a que se deu o nome de Governo.
O Governo é o órgão superior da Administração Pública e detém poder legislativo próprio. Unem-se novamente os progenitores há tanto separados.
Esta união despoletou aquilo a que os psiquiatras intitulam de complexo de Édipo, não tanto da instituição do Governo (que pode aprovar regulamentos independentes, ou seja inovadores na ordem jurídica sem a dependência de uma lei) , mas na relação entre a Lei e a Administração.
O complexo de Édipo caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Metaforicamente, este conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai; amor à mãe que a protege e que ama e ódio ao pai que concorre com ela no amor à mãe. Inspirado na tragédia de Sófocles, Freud concebe o complexo de Édipo como o filho que mata o pai e que depois casa com a mãe, levado pela sua energia libidinosa a tais acções que sabe estarem erradas e que nele provocam um extremo sentimento de culpa.
Aparentemente a segunda infância do regulamento é perfeitamente saudável, contudo a nossa jurisprudência e alguma doutrina tende a "deseducar" o regulamento.
Esteves de Oliveira e outros, no seu Código do Procedimento Administrativo Comentado (2.ª edição, pág. 84, «in fine») sutentam a impossibilidade de a jurisdição administrativa declarar a ilegalidade de regulamentos em virtude de eles ofenderem princípios que, embora também previstos no CPA estejam acolhidos na Lei Fundamental. Argumento que a jurisprudência leva ao extremo ao não aplicar os artigos 3º e seguintes do C.P.A. aos actos regulamentares emitidos por uma entidade administrativa, como aliás se pode observar no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-09-2009.
Este argumento afirma que a validade de um regulamento está intrinsecamente ligada à lei de que é dependente, sendo por isso de averiguar apenas a constitucionalidade dessa lei e não a ilegalidade do regulamento.
Logicamente percebe-se o argumento de não se inquinar como ilegal algo inconstitucional, contudo há diversos perigos na utilização deste argumento.
Ao impedir a aplicação dos princípios plasmados no C.P.A. aos Regulamentos, por estes estarem dependentes de uma lei (ou de habilitação ou da que visam executar) que constitui ela própria os limites de actuação da administração, estamos a tornar a administração como simples "mãos que executam a lei", quando sabemos que, ao actuar, ou a vincular a sua actuação futura (através de regulamentos) a administração tem consigo um amplo poder discricionário, seja de interpretação seja até de aplicação, tendo um amplo espaço para decidir como moldar o regulamento. Ao limitar os regulamentos apenas pela lei a que estão ligados, esquece-se a figura paternal, a Administração, que embora "odiada" pelo Regulamento, é quem o interpreta e lhe dá parte dos genes.
Ao não balizar os regulamentos administrativos pelos princípios do procedimento administrativo estamos a deixar que o poder regulamentar se case com a Lei e que despreze a Administração, o que pode levar o regulamento a violar os princípios dos artigos 3º e seguintes do C.P.A., não violando contundo a Constituição, uma vez estes princípios estão mais concretizados no primeiro do que na segunda. Ao aferir a validade de um regulamento pela constitucionalidade da Lei de que depende, estamos apenas a observar metade do que é um regulamento, pois estamos só a ter em conta a sua entidade maternal, esquecendo-nos que um regulamento pode, com autorização, habilitação, ou para complementar uma lei constitucionalmente válida, ter uma margem de discricionariedade na sua elaboração que permite o nascimento de um regulamento manifestamente contrário aos princípios do C.P.A., sendo contudo a lei que o habilitou válida.
Resumindo, seguindo a doutrina citada e a orientação jurisprudencial, teríamos de admitir como válidos regulamentos manifestamente violadores dos Princípios da Actuação Administrativa, mas cujas leis de que estão dependentes fossem válidas. Estaríamos a vincular validamente a actuação da Administração por um regulamento que a obrigaria a actuar de forma contrária aos princípios do Procedimento Administrativo, uma vez que os regulamentos têm obrigatoriedade.
Poderíamos com toda a certeza avaliar a validade do acto que decorre da aplicação de um regulamento válido contrário aos princípios do C.P.A., mas estranha-me que seja válido na ordem jurídica um Regulamento que obriga a uma actuação invalida da administração.
Vemos assim como a jurisprudência e a doutrina obrigam o regulamento a vazar os seus olhos ao obriga-lo a casar com a mãe, traindo o seu pai.

Agradeço que os meus colegas leiam este pequeno devaneio que para mim foi útil , não como teoria doutrinária sobre os regulamentos, uma vez que não observei todas as posições existentes sobre o assunto, mas sim como forma de tornar interessante estas matérias.
Terei todo o gosto em receber opiniões contrárias.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Qual o actor principal do renovado Direito Administrativo?

Superando, aos poucos e poucos, os seus traumas de infância, o Direito Administrativo, com a ajuda decisiva da doutrina, tem-se remodelado, renovado e aperfeiçoado. Mas, esta pergunta fundamental que outrora não levantava muitas dúvidas tem vindo a adquirir novo fulgor e a dividir a doutrina.

Autores como o Professor Freitas do Amaral continuam fiéis apologistas do Acto Administrativo, dizendo que este continua a ter o direito de permanecer na sua, já velha, posição de actor principal. Este Professor continua a ver o seu velho companheiro como a "figura central, fundamental e paradigmática do Direito Administrativo". Utilizando as palavras de Sérvulo Correia diz-nos que "apesar de assistirmos, nos dias de hoje, a uma diversidade dos modos de conduta administrativa com perda de peso relativo do acto administrativo, ninguém minimamente conhecedor das realidades ousará negar que este é ainda, de longe, (...) a forma mais utilizada no exercício jurídico da função administrativa".

Felizmente não existe só uma posição, senão que piada teria discutir o assunto? Acho que se todos já aprendemos alguma coisa é a de que a doutrina diverge sempre.

Assim temos o Professor Vasco Pereira da Silva que nos diz que o Acto Administrativo já não está em condições de ser o centro das atenções, utilizando as palavras de outro autor, diz-nos que este já não é "a personagem, mas sim uma das personagens". Elege, então, como actor principal, neste caso actriz, a relação jurídica administrativa, sendo esta, nas suas palavras " o instituto mais adequado para permitir enquadrar todo o universo" das relações que se estabelecem entre os privados e as autoridades administrativas, bem como aquelas que estas estabelecem entre si.

A doutrina italiana apresenta ainda outro candidato. Esta, por sua vez, elege o procedimento como o novo centro do Direito Administrativo.

Que pensar destas três posições? A quem, na nossa humilde opinião de estudantes de Direito Administrativo, entregaríamos o papel de actor principal? Desafiaríamos o Professor Freitas do Amaral e Sérvulo Correia, o Professor Vasco Pereira da Silva ou a doutrina italiana?